O problema de acreditar nos mitos

Desde a famosa dramatização pelo rádio de a “Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, idealizada por Orson Welles, o tema da invasão alienígena – um gênero à parte na ficção científica – fascina as pessoas. Em 1938, a abordagem realista da transmissão disseminou pânico pelos EUA. Hoje em dia, filmes, como Independence Day ou, mais recentemente, Skyline, espalham apenas filas nos cinemas.

Mas há um tabu nesses enredos: porque os seres de outro planeta, embora dotados de tecnologia avançadíssima e, teoricamente, parte de uma civilização muito mais evoluída, são sempre monstros de inteligência limitada? E qual o motivo de abandonarem qualquer resquício de civilidade e sempre partirem para a porrada com os terráqueos? Mesmo quando mostram alguma capacidade racional, no máximo, equiparam-se a nossa média.

Invasores com poder de viajar pelas estrelas e, eventualmente, ter milhões, talvez bilhões de anos de evolução à nossa frente, estariam para os humanos, em termos de inteligência, do mesmo modo que o homem comparado aos animais. Ou até mais avançados. Talvez, de um jeito meio Matrix, nem percebêssemos o domínio, de tão sutil, se houvesse um evento do gênero.

Ninguém, entretanto, discute esses “detalhes” menores. Embora pouco lógicas, as narrativas de invasões fazem sucesso porque trabalham com temas essenciais: um medo básico, o do desconhecido, e também uma qualidade fundamental, a capacidade de superação. As pessoas até relevam, como provam as bilheterias, exageros típicos de Hollywood, como o presidente dos EUA pilotando um caça, à frente de uma esquadrilha de jatos em luta contra os aliens (o pior mesmo é os aviões combaterem de igual para igual os veículos espaciais).

Esse é o poder do mito. São histórias poderosas, de heróis, grandes feitos e predestinação. No empreendedorismo, sagas como as de Bill Gates, Steve Jobs e, mais recentemente, Mark Zuckerberg incendeiam a imaginação dos aspirantes a empresários.

O problema é se a ficção empolga demais. Quando o empreendedor se inebria por histórias de sucesso, contadas sob um ponto de vista glamuroso e, portanto, parcial. O aspirante a empresário pode se ver como um Jedi, imbuído de uma habilidade especial, que o diferencia de todo o resto.

Parece exagero? Pois o entusiasmo muitas vezes nubla a visão para as incongruências do enredo até no nosso dia a dia. Como na síndrome da Mega-Sena. Há uma chance em 50 milhões de se acertar o resultado com seis dezenas. Mas o sonho e as histórias de vencedores parecem criar uma nova realidade, onde o prêmio só depende de você. É isso mesmo. As pessoas passam a acreditar na intuição, na força do pensamento e em qualquer outro fator mágico que lhes dê esperança.

A realidade mostra, no entanto, que há 25 vezes mais possibilidades de ser atingido por raio – uma em 2 milhões - do que ganhar na Mega-Sena. Diferentemente do jogo, a descarga pode ser evitada com precauções de segurança. Mas não existe fórmula que melhore o acaso, no caso da loteria.

Existem, com certeza, pessoas com um talento nato para empreender, mas são exceções e não a regra. Como na música ou nos esportes. Há um Mozart e centenas, talvez milhares, de bons compositores. Ou um Usain Bolt, que corre 100 metros em 9,58 s. E todo o resto da humanidade que assiste ao fenômeno quebrar recordes. Do mesmo modo, para cada Bill Gates ou Steve Jobs surgiram milhares de startups. Antes e depois.

São exemplos extremos, claro. Mas qualquer meta precisa se basear no quadro amplo e real. Ninguém decide, de uma hora para outra, ser um atleta olímpico ou um gênio compositor. Essas biografias são resultado de talento precoce, mas também de muito esforço e dedicação.

Acredito que qualquer um pode escrever seu próprio enredo de sucesso. Prova disso são justamente as histórias da Microsoft, da Apple e do Facebook. Mas é preciso tomar cuidado, quando se tornam fantasias. Inspiração é fundamental, mas, como a diz a máxima de Thomas Edison, repetida como mantra por todos os empresários de sucesso, 99% do resultado vêm da transpiração. É sempre bom também lembrar que, enquanto empreendedor, o happy end talvez seja um happy beginning. E os inimigos – ainda bem – não são alienígenas. Tratam-se, na verdade, de nossas próprias limitações, como o medo do desconhecido, a falta de iniciativa e a arrogância. Épica mesmo deve ser a determinação. O resto é história.

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